A VERDADEIRA HISTÓRIA...

A VERDEIRA HISTÓRIA DA CRIAÇÃO DO HOMEM...e da mulher
Deus estava inspiradíssimo naquela manhã cósmica e quando abriu os braços para se espreguiçar aproveitando o gesto disse:
- Faça-se a luz!
E a luz, como não poderia deixar de ser, se fez. Deus pensou haver criado algo bom e inédito, ponto de partida para uma obra de divina manifestação estética . Toda aquela luz deveria ter uma finalidade outra, iluminar algo além de iluminar-se a si mesma. Então fez uma massa a qual chamou matéria e se pôs a moldá-la. Ficou nisso alguns dos dias que havia recém criado e ao final, já divinamente exausto, se deu por satisfeito. Mas, mesmo cansado, antes de sair, resolveu dar um último toque à sua obra, como o artista que contempla o quadro já pronto e resolve dar-lhe uma última pincelada e, muitas vezes, põem tudo a perder. No início era só um borrão róseo. Poderia apagá-lo facilmente, mas, aquela manchinha, parecendo um vermezinho, remetia a alguma coisa, de modo que se pôs a trabalhar naquilo, acabando por desperdiçar mais um dia novinho em folha. Por fim achou que tava bom. Iria pendurar em algum salão nobre do paraíso e se deleitar com sua obra, mas, quando se voltou para sair deu de cara com alguém que estivera olhando por sobre seu ombro.
- Ah! Você poraqui? – disse Deus com divina hipocrisia.
- Tava passando e vi Você trabalhando e...sabe como sou curioso, né?
- Sei!
- Bela obra! – disse o diabo se adiantando, passando à frente de Deus, como gostava de fazer. – Bem equilibrada, bem distribuída, tem movimento e a luz é perfeita , tudo perfeito, como aliás é tudo que Você faz...
- Obrigado! Mas nunca sei se é sincero no que diz, ou é apenas bajulação.
- Os dois! Os dois! – apressou-se o capeta em dizer. – Sabe como gosto disso de ambigüidade e duplicidade. Mas, se me permite...
- Não senhor! - Exclamou Deus pondo-se à frente dele , já meio agastado. – Escuta! Por que não trata de fazer tuas próprias obras, já que é tão criativo, por que tem que vir meter o bedelho naquilo que faço?
- Porque minhas obras são tão fantásticas quanto efêmeras, não duram muito. São, por assim dizer, explosivas, incandescentes, e acabam por consumirem-se a si mesmas. Já Você não, cara! Tem um toque de permanência e eternidade que não consigo ter.
- Então trata de ir tocar fogo em teu próprio quintal.
- Vou sim! Vou sim! – dizia o diabo com as mãozinhas para trás. – Vou sim! Mas antes gostaria de dar uma sugestãozinha, posso?
- Tá! Pode sim . – disse Deus sabendo quão difícil seria evitar esta “sugestão”, mas, sabendo, além disso, que se faltasse este “toque” sua obra perfeitíssima, num futuro próximo, iria parar em algum recôndito empoeirado do paraíso.
- Recôndito! Hã? - disse o diabo lendo-lhe o pensamento. – Vejo que gostou da palavra que inventei, já a está usando. – Pois tenho uma novinha, quer ouvir?
Deus, que não conseguia resistir ao joguinho de palavras do diabo, disse:
- Manda lá!
- Underground! – disse o capeta lambendo os beiços , saboreando a palavra.
- Legal! – exclamou Deus emendando uma resposta: - Up!
- Bravo! – disse o diabo, pulando de contentamento, batendo os casquinhos no chão, fazendo levantar a poeira novinha, emendando por sua vez: - Subway!
Deus aplaudiu acrescentando:
- Estrada Cósmica. - Mas, se corrigiu em tempo vendo a expressão de desagrado na cara do oponente e, inspirado em sua nova obra, disse:
- Caminho de luz!
Mas, o diabo, que gostou ainda menos, pensando consigo: “é um cara sem graça mesmo”, foi logo tergiversando: - Como ia dizendo, se me permite uma sugestão...
- Não! – voltou a dizer Deus, já enrolando seu trabalho a fim de levá-lo dali.
- É só um detalhe insignificante, sobre essa coisinha rosada ali...
- Foi só um erro. Estava prestes a apagá-lo quando você chegou – disse Deus pensando que deveria ter se apressado em apagar aquilo.
- Pois ainda bem que não o fez, que cheguei a tempo. Tem potencial e pode salvar teu trabalho da mediocridade que permeia tudo que tem feito ultimamente.
E Deus pensou consigo que havia algo de verdade naquilo, que depois de criar o diabo nada mais fizera de realmente empolgante. De modo que engoliu a crítica e condescendeu:
- Está bem. Diga lá.
E o diabo não se fez de rogado. Com a mão no queixo, afagando a barbinha rala, perguntou:
- Este tubinho aqui, prá que serve?
- Prá esvaziar o excedente dos líquidos – se apressou Deus em responder -, é uma espécie de máquina, funciona basicamente com água e um pouco de matéria, e, como tudo isso é abundante ao seu redor, ele jamais terá qualquer dificuldade em manter-se em funcionamento...
- Manter-se vivo! – exclamou o diabo já meio sonolento, pois achava Deus muito pedante quando se punha a explicar o mecanismo das suas engenhocas. – Muito prático e eficiente, sem dúvida – emendou -, mas tenho aqui comigo que poderíamos ampliar essa idéia.
E se pôs a modelar e quando terminou exibiu o resultado com sorriso de diabólica satisfação.
- Mas prá que três pernas? – perguntou Deus.
- Não é uma perna, é outra coisa – disse o diabo com ar de mistério.
- Pois acho grotesco e absolutamente antiestético.
- Mas te garanto que a mulher vai gostar.
- Mulher? Que mulher?
- Trata-se disso - disse o coisa ruim puxando do bolso do casaquinho curto um maço de papéis. – Veja se gosta. Lógico que é apenas um esboço, cabe a Você dar o acabamento, moldar, desbastar, polir e dar brilho, sabe como é né, esse negócio de trabalho deixo por tua conta.
Deus se demorou alguns segundos eternos a contemplar aquilo. Havia algo de realmente instigante e prometedor naquela idéia. Por fim disse satisfeito:
- Gostei! Gostei! O equilíbrio entre o longilíneo e o arredondado dá um belo resultado. Harmônico, apaziguador e,ao mesmo tempo estimulante.
- Vejo que captou a idéia – disse o capeta esfregando as mãozinhas de satisfação.
- Mas, prá que serve?
- Ora! Você e seu espírito prático! É apenas arte. Não precisa ser útil - exclamou o diabo agastado por ver-se incompreendido em seu talento artístico.
-Mas precisa funcionar. Pode ser belo, deve ser belo, atraente e prazeroso, mas precisa funcionar para existir, para ter vida, entende?
-Entendo! Claro que entendo! E, por já conhecer essa tua linha de pensamento te garanto que tudo é funcional e prático em meu projeto.
E se pôs a explanar sobre os mecanismos internos e externos daquela sua idéia.
Por fim Deus achou que valia a pena experimentar desde que pudesse fazer algumas correções. Aquelas coisas redondas, enormes, por exemplo, poderiam ser suavizadas, e aquela terceira perna podia ser reduzida a dimensões mais condizentes, e, enquanto ia pensando ia fazendo, de modo que logo tudo estava pronto.
- Perdeu um pouco da graça – disse o diabo, meio a contragosto. Mas achou melhor condescender, afinal, nesse negócio de contrariar Deus tinha que se tomar muito cuidado; e logo se foram os dois, de braços dados pelos bosques e parques do paraíso. Vez ou outra o diabo, com um peido, fazia incendiar um belo arbusto ou explodir um vale florido, e Deus ria a valer divertindo-se a larga daquelas brincadeiras inocentes, enquanto, lá atrás, esquecidos de ambos, o homem e a mulher trocavam um primeiro olhar.

José vilseki 23/09/2011

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